10.5.08

O Exame

"Foi de propósito que Ibn Sina trouxe Mirdin para ser examinado em primeiro lugar, para preparar o palco e porque Jesse ben Benjamin era diferente dos estudantes a que estas autoridades estavam habituadas, com qualidades que não podiam ser reveladas num exame académico. Ele cobrira, prodigiosamente, a matéria em três anos, mas a sua cultura não era tão profunda como a de Mirdin.(...)
Ibn Sabur pediu ao candidato para fazer uma distinção entre varíola e sarampo.(...)
- E se tiveres de tratar um joelho fracturado? perguntou al-Juzjani.
- Se a perna estiver direita deve ser imobilizada ligando-a entre duas talas rígidas. Se estiver dobrada, Hakim Jalal-ul-Din descobriu uma forma de tala que serve bem para um joelho assim como para um cotovelo fracturado ou deslocado.- Havia papel, tinta e uma pena junto do visitante de Bagdade, e o candidato deslocou-se em direcção a estes materiais.- Posso desenhar um menbro para que se possa ver a colocação da tala.-disse ele.
Ibn Sina estava horrorizado. Embora o Dhimmi fosse europeu, devia decerto saber que quem fizesse um desenho de uma forma humana, inteira ou em parte, arderia no mais quente dos fogos do inferno. Era pecado e transgressão para um mulçulmano rigoroso até mesmo olhar para o desenho. Dada a presença do mullah e do Imã, o artista que troçava de Deus e que corrompia a moralidade deles ao recear o homem seria presente a um tribunal islâmico e nunca receberia o título de hakim.
Os examinadores sentados reflectiam uma variedade de emoções. O rosto de al-Juzjani indicava uma vasta decepção, um pequeno sorriso tremia na boca de Ibn Sina, o Imã estava perturbado, o mullah zangado.
A pena voava entre o tinteiro e o papel. Produziu um ruído a arranhar e depois era tarde demais, o desenho estava feito. Rob entregou-o a Ibn Sabur e o homem de Bagdade estudou-o, deixando transparecer a sua descrença. Quando o passou a al-Juzjani, o cirugião não pôde evitar um sorriso.
Pareceu levar muito tempo a chegar a Ibn Sina, mas quando o papel chegou, ele viu que o menbro desenhado era... um ramo de árvore! O ramo curvado de um damasqueiro, sem dúvida, pois era a folha que estava desenhada. Uma rogosidade em forma de nó tomava o lugar da articulação do joelho ferida, e as extremidades da tala mostravam-se ligadas nitidamente por cima e por baixo do nó.
Não houve perguntas relativamente à tala.
Ibn Sina olhou Jesse, tomando cuidado para esconder tanto o seu alívio como seu afecto. Divertia-se bastante a observar o rosto do visitante de Bagdade. Recompondo-se, começou a fazer ao seu aluno a mais intrigante pergunta de filosofia que podia formular, seguro de que o maristan de Ispahan podia dar-se ao luxo de se exibir um pouco mais."

"O Físico" de Noah Gordon.