23.10.07

A Caminho de Howth...

Irlanda (Dublin)

10.10.07

Vieira da Silva

... A minha mãe era sonhadora, silenciosa. Eu nao tinha amigas. Liguei-me aos livros.
Diziam-me: Uma menina inteligente não se aborrece. Olha. Olha. Olha os livros. Olha a árvore. Observa o pássaro. Olha a cor daquela árvore. Olha bem.
Diziam-me também: Ouve a musica. Ouve o ruído. Ouve a chuva. Ouve, o belo.
Diziam-me olha para o céu. Olha as estrelas.
Então essa menina que se aborrecia começou a olhar; a olhar; a escutar; a escutar; a observar; a viver disso. Quando se aborrecia tocava piano. Podia desenhar, vivia só, completamente só (...).
Com o que conhecia da vida e com o que sabia dos livros, ia fabricando coisas. E tentei desenhá-las. Tinha muito pouco jeito, em contrapartida era muito obstinada. Hoje há em mim essa coisa que continua. Que continua sempre (...).
Um quadro deve ter coração, sistema nervoso, ossos, circulação. Deve assemelhar-se a uma pessoa em movimento. É preciso que aquele que olha se encontre perante um ser que lhe fará companhia, lhe contará histórias, lhe dará certezas. Porque o quadro não é evasão, deve ser um amigo que nos fala, que descobre as riquezas que se escondem em nós e à nossa volta.

Vieira da Silva, numa entrevista feita por Georges Charbonnier e outros em :
Claude Roy, Vieira da Silva, Publicações Europa-América, 1988